Ao sair da prisão, esperavas-me,
com uma ostra fresquíssima sobre as palmas
das mãos. Será sempre essa a imagem
que guardarei de ti, quer fiquemos juntos
para sempre, como dizem os padres,
quer partas para a China mais longínqua,
que é o coração de outro homem.
Depois de cinco anos cimentado,
rodeado pela música torturante de respirações
sem freio e sem paz, trouxeste-me o mar
a uma terra interior, onde até os homens livres,
até as crianças, caminham de cabeça baixa.
Por isso, nunca te darei prendas no Natal
ou no teu aniversário: nada se poderia comparar
àquela lágrima feliz e vagamente sólida
que, nesse dia, me desceu pela garganta
até ao sítio indeterminado em que nos distinguimos
das feras. Posso apenas tentar confundir-me
com o tapete do corredor, com a torneira
da cozinha, com o creme que pões na cara,
de manhã ou à noite, e deixar que me dês o uso
que te parecer melhor, ou que não me dês uso algum,
e aproveitar cada minuto dos teus gestos mais leves,
que, também eles, se assemelham ao mar,
quando as noites são calmas e o luar o ilumina
na baía Cádis.
Miguel Martins