"É, porém, de justiça dizer-te que Alberto é um homem tão sério que ainda nem uma única vez beijou Carlota na minha presença. Deus lho pague! Só pelo recato que tem para com ela devo-lhe toda a minha estima. Mostra-se meu amigo, mas suponho que essa amizade é devida mais à influência de Carlota do que ao seu próprio sentimento. Para essas coisas são habilíssimas as mulheres… e não é sem razão. Podendo manter a harmonia entre dois rivais, a vantagem é toda para elas: raras vezes, porém, o conseguem.
Francamente, eu não posso recusar a Alberto a minha estima. A sua serenidade oferece um frisante contraste com o meu género irrequieto, que não me é possível dissimular.
(…)
Não quero averiguar se já alguma vez a terá apoquentado com arrufos de ciúme; eu, no seu caso, não estaria muito descansado…Não fosse o demónio…
Seja, porém, como for, a felicidade de que eu gozava quando me via junto de Carlota desapareceu.
Que nome darei a isto? Loucura ou cegueira? Mas afinal que importa o nome? O facto existe!
Antes da chegada de Alberto, já eu sabia o que sei agora, sabia que não podia ter ideias nela, e nenhumas tive…se é possível não as ter na presença de tantos atractivos. E agora – pobre insensato! – abro uns olhos muito espantados, porque chega um outro e ma rouba!
Rangem-me os dentes e indigno-me furiosamente contra os que me aconselham resignação, visto que o mal já não tem remédio. – Para longe espantalhos!
Percorro as matas e, quando chego a casa de Carlota e Alberto está junto dela, sentado debaixo do caramanchão, podes calcular como fico… doido! Não me contenho! Não há disparate que não pratique! É exuberância essa loucura!
– Pelo amor de Deus! – disse-me ela hoje. – Não torne a fazer cenas como as de ontem à noite! O senhor é terrível quando está assim tão contente.
Aqui para nós, eu ando continuamente a espreitar quando Alberto tem afazeres fora de casa; e, quando isso acontece, em dois pulos estou ao pé de Carlota. Só eu sei como fico quando a encontro só."
Werther, Goethe