9.10.15

Outubro, Outono-Inverno

«A despeito do tempo, da memória, da família, da História e de tudo o que foi perdido, estava-se hoje a meio da manhã de um dia de outubro em Greenwich Park. O céu tinha uma vaga ameaça de chuva e o dia estava quente, cerca de dezanove ou vinte graus, demasiado quente para esta época do ano, o último sopro exibicionista antes dos rigores do inverno. Como se adaptam tão bem às coisas os seres humanos sem sequer se aperceberem, cegamente passando de um estado a outro. Numa manhã era verão, na seguinte quando acordávamos já o ano todo se fora embora; está-se com trinta anos e no minuto seguinte já se tem sessenta, sessenta já no próximo ano num abrir e fechar de olhos, como era tudo tão rápido. Tão rápido e tão fácil, mas, ao mesmo tempo, tão horrível, quando se pensa nisso, as estações e os anos a cederem o caminho a esta gente que se põe em nome de Deus a filosofar / e os seus sermões durante quanto tempo os teremos de aturar / tu pareces um velho padre a resmungar, e aqui ele bloqueou-a, concentrando-se fortemente na magnífica imagem que tinha descoberto na primavera para usar na edição outono/inverno da revista Wildlife. Tinha-a sugerido para a capa, mas nunca ninguém ouvia as propostas de um mero conselheiro de imagem (optaram pelos pinguins, mais uma vez). Era a imagem de um pequeno pássaro amarelo dourado a cantar no campo, no inverno, algures em Itália. (...) Dado que o ar estava gélido, as notas que o pássaro acabara de entoar ficavam momentaneamente no ar como uma sequência de círculos de fumo e a máquina captara-os antes de desaparecerem de vez.
O inverno. Tornava as coisas visíveis.»

Ali Smith, O Passado É Um País Estrangeiro, trad. Helder Moura Pereira, Quetzal