20.6.09

This too shall pass


© Kenda Benward

Perguntou-me se eu estava bem. Não estava, mas respondi-lhe que sim. A mentira foi transparente aos seus olhos, como foi transparente o carácter retórico da pergunta, e, ignorando a minha verdade falseada, arriscou um palpite. Ela estava certa. Disse-me que duas horas depois não me reconhecera: enquanto a tarde se fez noite, o meu espírito alterara-se tão radicalmente que eu lhe parecera outra pessoa. Nunca consigo esconder, por mais que lhes force a abertura à luz, as sombras dos meus olhos, mas vou controlando as emoções até que alguém me pergunte directamente o que se passa. Por isso, naquele momento, deixei cair o meu papel mal representado. E quando me sentia o mais patética possível, ela abraçou-me. Há um entendimento silencioso entre as mulheres a que bastam olhares e meias palavras. À despedida, uma promessa: a de tocar, dois dias mais tarde, aquela que eu mais queria ouvir. O naufrágio é um mau hábito e de tão talhado à minha medida não o recuso: irei para ouvi-la sussurrar you may be in darkness, numa escuridão suficientemente incompleta para que lhe possa ler, tatuado no braço, this too shall pass.