27.8.10

Salve-se quem puder (eu avisei)

Com que então eu pedi para levar na traseira. Discordo, meus senhores, eu não estava para aí virada. Teletransportada para a órbita dos desastres mundiais, enfrentei o complexo de quem nunca andou nos carrinhos de choque (se não me lembro, não aconteceu) e deixei-me levar por quem me julgou por maus caminhos, quando tudo o que eu queria era virar à esquerda, onde o futuro me parecia mais confortável.
Ao choque de tetãs, propus-me interromper a marcha e reflectir sobre os meus actos, mas a assunção da culpa e a percepção dos níveis de gravidade da merda praticada são pensamentos que se processam naquela parte do meu cérebro que embateu no cimento quando caí do baloiço aos seis anos, pelo que volta e meia encravam e não vêem a luz do dia. A da noite, sim, frequentemente, em sonhos – mas ao acordar está tudo bem.
Saí do carro.

– O meu vestido é cor-de-rosa, estou inocente.
– Mas a menina tem um risco preto nos olhos!
– Isso é inveja sua.

À chegada da polícia, que acorreu ao chamamento da violadora, prontamente esclareci que não estava em causa gostar ou não de levar trancadas, mas que esta, já agora, deixara muito a desejar e que, por conseguinte, o meu material suportaria danos mais violentos, mas, paciência, era o que tínhamos. Vestindo o fato de pedagoga, expliquei-lhes ainda que uma senhora que teve tempo suficiente para sobreviver à menopausa enquanto lhe inchavam os tornozelos e que passeia um puto que nunca poderia ser seu, calçando uns mocassins de enfermeira, procurará animar-se destruindo a juventude. E que um senhor cujo subsídio de desemprego o obriga a optar entre os jogos do Porto e as putas, procurará testemunhar contra a salta-pocinhas decotada e pestanuda, que acentua a dor aguda. Com uma mão na testa e outra no drama button vos digo: sou uma vítima do meu próprio abcesso.

E assim foi: primeiro passeio de carro, primeiro minuto, primeiro acidente. Ah, campeã!

Só tenho pena de ter levado no cu de uma velha. Mas ao menos soprei ao balão.


Leatrice Joy em Manslaughter (1922), de Cecil B. DeMille