16.12.11

Eva és tu




Eve é Eve Herrington e é Eva, a primeira mulher, todas as mulheres. Eve é também a grande ameaça, aquela que virá para tocar o ponto nevrálgico de um equilíbrio perfeito. Margo Channing (brilhante Bette Davis) é uma estrela do teatro, conquistou o seu lugar no ponto mais longínquo do anonimato e vai-se afastando também (só por brincadeira) da juventude. Não desconfiará de que a jovem e bonita Eve pretende tomar-lhe o lugar e permite que esta se aproxime, oferecendo-lhe guarida e trabalho. É quando sente o seu posto ameaçado (no estrelato, no reconhecimento da crítica e do público, no coração do seu amado) que veremos a insegurança apoderar-se da fera fluente em sarcasmo, sem que alguma vez se lhe adormeça a língua afiada. Essa ameaça começa, claro, por despontar na sua cabeça quando ninguém à volta a reconhece, incluindo Bill, o seu amante, que não compreendendo os seus ataques indiscriminados a acusa de paranóia (uma doença que se diverte em transformar o portador em vítima de si próprio e as relações daqueles que lhe são próximos num campo de minas). Perante a incompreensão de Bill, Margo responde-lhe, naquele que é um resumo supimpa de todo o imbróglio: it's obvious, you're not a woman.

All About Eve (Eva para nós), um filme de Joseph L. Mankiewicz, de 1950, desvenda-nos não uma mas quatro mulheres que contribuirão com as suas complexidades para uma ideia de natureza feminina reconhecível. Não me espanta, pelo contrário, tranquiliza-me, que o argumento de Mankiewicz se baseie no conto The Wisdom Of Eve de uma mulher, Mary Orr. Embora, convenhamos, nada possamos fazer quanto à hipótese de este testemunhar uma qualidade magrinha (como magro é o seu corpo de nove páginas) em comparação com o grandioso texto que dali emergiu. Com diálogos brilhantes e a sofreguidão de um texto dramático, o resultado é um dardo que atinge, a 200 km/h, o cerne. E eu, que bocejo quando procuram impingir-me um estereótipo de género e que chego mesmo a adormecer tão profundamente que quase ressono (entendam que eu nunca ressono) perante o que ameaça ser um diálogo sobre o binómio «as» vs. «os», sou forçada a reconhecer que o que a tela me devolve é o meu próprio reflexo (na sua versão com espinhas) e que mesmo quando a identificação falha a sua meta, são outras, as outras, que ali estão. Bocejo colectivo à generalização (boas amplitudes de boca, sim senhora) e abertura de novo parêntesis (por exemplo, a típica inveja feminina diz-me pouco), uma coisa é certa: Mankiewicz is on our side. Ou não tivesse ele afirmado: Male behavior is so elementary. All About Adam could be done as a short.


Menina Limão, Eva És Tu, texto publicado na The Printed Blog de Setembro 2011