Não tenho estômago para pés. Vocês sabem, pés. Aquelas pecinhas estaladiças e frágeis das quais dependemos para caminhar. No Kill Bill, quando a Uma entra na carrinha e se põe a olhar para os pés paralisados tentando que estes se mexam pelo poder das falinhas mansas e tudo o que vemos são duas patinhas completamente estáticas, o meu estômago entra em centrifugação. É quão sensível sou à natureza humana. Não faço peripécias com os meus dedinhos, ninguém estala aqui ossinhos ou sequer dobra o que houver para dobrar; ei, xô, ‘tá quietinho. Agora imaginem-me a ver o Black Swan. Pés e pezinhos e pezadas e dedinhos a mexericar e dedinhos a estalar e joanetes e curvaturas deformadas e unhas a sangrar. Para não falar das cenas igualmente impressionantes com as restantes partes do corpo da Natalie bailarina. Não estou completamente certa de que é coerente dizer que gostei muito de um filme que me deu uma quase contínua sensação de vómito, mas pelo menos sei que é possível gostar de um filme que não pretendemos de todo rever.
28.2.11
Vertigens
Não tenho estômago para pés. Vocês sabem, pés. Aquelas pecinhas estaladiças e frágeis das quais dependemos para caminhar. No Kill Bill, quando a Uma entra na carrinha e se põe a olhar para os pés paralisados tentando que estes se mexam pelo poder das falinhas mansas e tudo o que vemos são duas patinhas completamente estáticas, o meu estômago entra em centrifugação. É quão sensível sou à natureza humana. Não faço peripécias com os meus dedinhos, ninguém estala aqui ossinhos ou sequer dobra o que houver para dobrar; ei, xô, ‘tá quietinho. Agora imaginem-me a ver o Black Swan. Pés e pezinhos e pezadas e dedinhos a mexericar e dedinhos a estalar e joanetes e curvaturas deformadas e unhas a sangrar. Para não falar das cenas igualmente impressionantes com as restantes partes do corpo da Natalie bailarina. Não estou completamente certa de que é coerente dizer que gostei muito de um filme que me deu uma quase contínua sensação de vómito, mas pelo menos sei que é possível gostar de um filme que não pretendemos de todo rever.
24.2.11
23.2.11
Toto... Yes, Dorothy?
© Anna Kieblesz
Tinha eu catorze anos quando ele se apaixonou por mim. E eu está bem, até namoro contigo. Esteve 30 minutos (30 minutos!) com as mãos nos meus ombros a ganhar coragem para me beijar. Eu já só morria de vergonha e o gajo a tremer por todo o lado. Enfim, 30 minutos depois cansei-me, preguei-lhe um xoxo e fomos para casa. Estivemos no sofá, eu deitada no colo dele. Não me beijou uma única vez. Claro que perdeu a oportunidade para todo o sempre, porque aquilo acabou logo ali. Um dia disse-me que achava nojento eu não lavar o cabelo todos os dias. É deixá-lo a pensar que eu sou porca – eu cá penso coisas piores dele.
22.2.11
21.2.11
#4
E é assim que dois paus-mandados (um mais do que o outro) me dão a oportunidade de criar o template para o blog com o melhor título de sempre.
Ó que azar, Balthazar
20.2.11
19.2.11
We are so happy *glup*
Atravessa-me um grande choro festivo. A partir deste segundo não te ouço; tenho o corpo paralisado a conter um espasmo, os olhos fechados e os dedos tensos, a goela a querer abrir-se em berros catárticos.
O que bradarão estas vozes torturadas… spill the blood? É bem provável, Lucifer, mesmo sabendo que à ferida se segue a celebração. We are so happy, aqui cabem todas as contradições. Surpreendente não seria se o texto espelhasse o que a atmosfera encerra. Uma espécie de alegria nervosa, o sangue latejando desenfreadamente, uma catástrofe iminente.
Intervenientes: quatro adolescentes subitamente alapadas ao meu banquinho público
– Vamos jantar e depois vamos ao cinema?
– Vamos ao cinema à tarde?...
– Se vamos ao cinema depois de jantar, vamos ao cinema à noite… Não sei, segundo os meus cálculos… Mas se for segundos os cálculos de Einstein, se calhar vamos à tarde.
– Se for segundo Einstein, se calhar chegamos lá a tempo. (risos)
– Vamos ao cinema à tarde?...
– Se vamos ao cinema depois de jantar, vamos ao cinema à noite… Não sei, segundo os meus cálculos… Mas se for segundos os cálculos de Einstein, se calhar vamos à tarde.
– Se for segundo Einstein, se calhar chegamos lá a tempo. (risos)
Lisbon in a draft, Lisbon in a post
As pessoas têm morrido sem a minha autorização e as outras que cá ficam têm o desplante de não me avisar; e a Angélica Liddell, que, como eu, «teve uma infância feliz e um desastre de adolescência», não se compadeceu da minha self pity, recusando-se a antecipar a passagem por Lisboa a tempo de me apanhar em órbita; e, depois, triste da vida em terra de mamãe, descubro que o Mark Ravenhill, que leio sofregamente, está em passeio artístico pela cidade quando eu não tenho condições para recebê-lo, ficando eu, mais uma vez, a chuchar no dedo; escrever este apontamento ao som de Silence 4 não é fácil – vejam lá isso; mas entretanto encontrei a Jucifer nas paredes do CCB com a minha história preferida («e depois morreram todos») e a vida portuense viu-se bem representada pelo Marco Mendes (porque é que nunca fomos à Cunha?); e conheci o Balthazar, o Zé, a Ana, o Rui e já chega, e deixei saudades ao padeiro de Alcântara; e o Noobai só vende limonada suíça no Verão e o outro sítio das limonadas fechou sem que eu pudesse vir a (a)testá-lo; e é tempo de rever a Maria Schneider e o Marlon Brando e de vos contar a minha epifania com os White Stripes e de vos alertar para as injustiças de se morrer de pneumonia aos 42 anos quando se fez carreira a melhorar a vida dos demais. O dia chegará em que passarei da pista para a mesa de mistura do Roterdão e em que a sorte abençoará meu coração. Until then…
Broadcast - Until Then
Broadcast - Until Then
- -
Eu tenho raiva à ternura. Eu tenho raiva de ter raiva à ternura. Eu tenho a doença da ternura por ter raiva. Eu tenho tudo excepto a ternura. Eu não tenho ternura e sofro de inveja de quem tem ternura. Eu já só tenho raiva.
Manuel Cintra
Manuel Cintra
18.2.11
Deal with it
Se estiverem com soluços, o susto não terá sido em vão: fui cortar o cabelo ao Hairtz e parte do meu pescoço saiu dali sozinho.
17.2.11
16.2.11
14.2.11
11.2.11
9.2.11
Eu recebo as melhores cartas
OS DEOLINDA???
Oh limoa, eu que gostava bastante do teu blogue...
Tive hoje a pior desilusão de todas...
Desculpa mas não volto a entrar no teu blogue, no entanto, quero agradecer-te por todos
os bons momentos que me fizeste passar! Obrigado por isso!
RIP
Oh limoa, eu que gostava bastante do teu blogue...
Tive hoje a pior desilusão de todas...
Desculpa mas não volto a entrar no teu blogue, no entanto, quero agradecer-te por todos
os bons momentos que me fizeste passar! Obrigado por isso!
RIP
8.2.11
Misconceptions
Um imaginava-me uma bloquista freak com rastas. O outro julgava-me uma lésbica camionista. Ela pensou que eu era apenas antipática.
Logo eu que sou apenas uma gorda cheia de acne.
Logo eu que sou apenas uma gorda cheia de acne.
7.2.11
Peço desculpa por obrigar-vos a usar o scroll por causa de parvoíce
«A geração parva
Há mais ou menos dezoito anos, um editorial deste jornal teve a ideia de chamar “geração rasca” aos jovens que na altura tinham mais ou menos dezoito anos. A geração — essa geração, a minha — nunca mais conseguiu esquecer. Com toda a ambiguidade, levámos o nome a peito: ficámos ofendidos com ele, um pouco envergonhados sim, muito irritados também, mas fizémo-lo nosso sobretudo, tentando dar-lhe a volta (a “geração à rasca”) às vezes. Recusámo-nos sempre, sabe-se lá porquê — porque era injusto, digo eu —, a largá-lo.
Que o nome era injusto foi-se vendo depois. Na verdade, esta geração, que tem agora o dobro da idade, não foi absolutamente nada rasca. Pelo contrário, espanta-nos a nós — e a quem quiser observar — o quão cordatos fomos. Passámos a segunda metade das nossas vidas com esse ferrão do vexame em manifesto silêncio. Ouvimos até à náusea que éramos a “terra queimada” do sistema de ensino — chegámos a repeti-lo nós, por reflexo condicionado — até muito recentemente apenas se ter começado a reconhcer que afinal somos a “geração mais bem preparada” de sempre no país. O que pode não ser difícil, mas não deixa de ser verdade. E nestes anos todos, de forma passiva, cabisbaixa e rotineira lá fomos aceitando mais um estágio, mais um subemprego, mais uma caderneta de recibos verdes, mais um mês no call center, ou — pior ainda — um telefonema do call center a dizer que afinal não precisamos de ir neste mês nem nos seguintes.
***
Até que no outro dia, no Coliseu do Porto, a banda do momento, que leva um nome de mocinha de outros tempos — Deolinda — tocou em estreia absoluta uma música cujos versos começam, de mansinho, “sou da geração / sem remuneração”. Às palavras, claras e bem articuladas, o público que nunca as tinha ouvido reagiu primeiro com uma ligeira gargalhada. A música é também ela falsamente branda e delicada; em três minutos somente veremos que fomos enganados pelas aparências e que ela tem dentro uma raiva cristalina.
As rimas prosaicas, que parecem piadas e na verdade são facas — “isto está mau e vai continuar / já é uma sorte poder estagiar” — vão entrando na carne do público a pouco e pouco. Aqueles que lá estavam e tinham aquela idade — “a geração do vou-queixar-me-pra-quê / há bem pior do que eu na TV” — reconheceram-se ao espelho.
Irónica, muito muito cansada e lamentosa, a vocalista vai repetindo sobre o repenicado das guitarras, “que parva que eu sou”, “que parva que eu sou”. Insultando-se para não insultar o mundo porque afinal — a coisa menos rasca do mundo — somos bem educadinhos. Só quando a rede já está lançada a canção se diz, não vá alguém levar a mal, numa sugestão apenas:
“…fico a pensar, que mundo tão parvo / onde para ser escravo / é preciso estudar.”
Neste momento, o público estava pasmado. Na última estrofe — “sou da geração do já-não-posso-mais / que esta situação dura há tempo demais” — estava conquistado. No fim da canção aplaudiu de pé. Uns estavam arrepiados, outros comovidos. A cantora levantou os dois braços, numa espécie de alívio, como quem finalmente disse uma coisa que estava entalada. Vão ver: alguém filmou, pôs na internet, partilhou; nasceu um fenómeno. A geração finalmente pôs um nome a si mesma.
Pois é, Deolinda: que parvos que somos. Que parvos que fomos. Que parvos que temos sido. Mas ninguém pode ser parvo tanto tempo assim. Vê lá: se mudássemos aqui uma letra, e substituíssemos ali por outra — voilà! — ainda iríamos a tempo de ser a geração brava, não era?»
Rui Tavares
Há mais ou menos dezoito anos, um editorial deste jornal teve a ideia de chamar “geração rasca” aos jovens que na altura tinham mais ou menos dezoito anos. A geração — essa geração, a minha — nunca mais conseguiu esquecer. Com toda a ambiguidade, levámos o nome a peito: ficámos ofendidos com ele, um pouco envergonhados sim, muito irritados também, mas fizémo-lo nosso sobretudo, tentando dar-lhe a volta (a “geração à rasca”) às vezes. Recusámo-nos sempre, sabe-se lá porquê — porque era injusto, digo eu —, a largá-lo.
Que o nome era injusto foi-se vendo depois. Na verdade, esta geração, que tem agora o dobro da idade, não foi absolutamente nada rasca. Pelo contrário, espanta-nos a nós — e a quem quiser observar — o quão cordatos fomos. Passámos a segunda metade das nossas vidas com esse ferrão do vexame em manifesto silêncio. Ouvimos até à náusea que éramos a “terra queimada” do sistema de ensino — chegámos a repeti-lo nós, por reflexo condicionado — até muito recentemente apenas se ter começado a reconhcer que afinal somos a “geração mais bem preparada” de sempre no país. O que pode não ser difícil, mas não deixa de ser verdade. E nestes anos todos, de forma passiva, cabisbaixa e rotineira lá fomos aceitando mais um estágio, mais um subemprego, mais uma caderneta de recibos verdes, mais um mês no call center, ou — pior ainda — um telefonema do call center a dizer que afinal não precisamos de ir neste mês nem nos seguintes.
***
Até que no outro dia, no Coliseu do Porto, a banda do momento, que leva um nome de mocinha de outros tempos — Deolinda — tocou em estreia absoluta uma música cujos versos começam, de mansinho, “sou da geração / sem remuneração”. Às palavras, claras e bem articuladas, o público que nunca as tinha ouvido reagiu primeiro com uma ligeira gargalhada. A música é também ela falsamente branda e delicada; em três minutos somente veremos que fomos enganados pelas aparências e que ela tem dentro uma raiva cristalina.
As rimas prosaicas, que parecem piadas e na verdade são facas — “isto está mau e vai continuar / já é uma sorte poder estagiar” — vão entrando na carne do público a pouco e pouco. Aqueles que lá estavam e tinham aquela idade — “a geração do vou-queixar-me-pra-quê / há bem pior do que eu na TV” — reconheceram-se ao espelho.
Irónica, muito muito cansada e lamentosa, a vocalista vai repetindo sobre o repenicado das guitarras, “que parva que eu sou”, “que parva que eu sou”. Insultando-se para não insultar o mundo porque afinal — a coisa menos rasca do mundo — somos bem educadinhos. Só quando a rede já está lançada a canção se diz, não vá alguém levar a mal, numa sugestão apenas:
“…fico a pensar, que mundo tão parvo / onde para ser escravo / é preciso estudar.”
Neste momento, o público estava pasmado. Na última estrofe — “sou da geração do já-não-posso-mais / que esta situação dura há tempo demais” — estava conquistado. No fim da canção aplaudiu de pé. Uns estavam arrepiados, outros comovidos. A cantora levantou os dois braços, numa espécie de alívio, como quem finalmente disse uma coisa que estava entalada. Vão ver: alguém filmou, pôs na internet, partilhou; nasceu um fenómeno. A geração finalmente pôs um nome a si mesma.
Pois é, Deolinda: que parvos que somos. Que parvos que fomos. Que parvos que temos sido. Mas ninguém pode ser parvo tanto tempo assim. Vê lá: se mudássemos aqui uma letra, e substituíssemos ali por outra — voilà! — ainda iríamos a tempo de ser a geração brava, não era?»
Rui Tavares